quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Caminhos


Ontem, recebi a triste noticia de que um colega de trabalho fora assassinado, muito provavelmente por dívida de drogas. Ele era um rapaz tranquilo, falante, prestativo; parecia-me também ser bom pai e bom marido.
O Cris era agente de saúde na comunidade do Livramento, localidade a 20 minutos de “voadeira” da Marina do Davi, para onde eu fui durante um ano, enquanto minha UBS era reformada.
Às vezes, ele exercia a função de piloto do barco que nos transportava, e quando voltávamos, sempre oferecia: “Doutora, a senhora quer comprar verdura fresquinha e barata?”, e lá íamos nós todos do barco comprar um pé de alface imenso e vistoso a um real, entre outras.
Algumas vezes ele sentou para conversar comigo, e me contou de seu drama, pedindo conselho. Eu podia perceber nele a vontade de parar, mas não a força espiritual para isso, infelizmente. Dizia – lhe que seria muito difícil conseguir sozinho, que precisava de ajuda, e que procurasse essa ajuda mais efetiva do que apenas conselhos, e ele dizia que o faria.
Quando eu saí do Livramento, já no CEO, o Cris me achou lá, e continuamos nossas poucas conversas sobre o assunto, eu sempre lhe dizendo que procurasse ajuda, que era muito difícil sozinho, pois o mal está sempre à espreita, e ele ainda não tinha a força espiritual suficiente para combater.
Ao receber a noticia da passagem do Cris, lembrei do nosso próprio drama familiar. Tivemos um irmão que enveredou pelo mundo do álcool e drogas. O sofrimento familiar durou mais de trinta anos, até ele morrer em decorrência das complicações que as drogas lícitas e ilícitas causaram: cirrose hepática, falência renal, entre outras. Ele nunca quis se tratar, e o drama ia muito além do que eu poderia expor aqui, sem magoar outras pessoas.
Eu nunca usei drogas lícitas ou ilícitas, e quando alguém me fala em liberação de qualquer delas, sempre cito o que ouvi de alguém que tenta se recuperar: “Não há como saber quem se tornará dependente ou não; só depois de usar; varia de pessoa para pessoa”, então eu sou contra, e para aqueles que argumentam a favor, eu cito as experiências familiares que tivemos.
Quando vejo qualquer reportagem sobre o assunto, chamo meu filho para assistir comigo, e reforço tudo o que digo para ele todos os dias: “Homem é aquele que tem postura, é correto, faz o bem, ajuda o necessitado. Respeita as diferenças. Isso é ser homem. Fumar ou beber não faz de ninguém homem. Se um amigo seu falar algo assim para você, ele não é seu amigo!”, e por aí vai a ladainha da água mole em pedra dura. Quando vemos um acidente, o mesmo papo: “Olha, filho, provavelmente foi droga, lícita ou ilícita, mas droga!”. É o que eu posso fazer por ele, conversar e conversar e conversar, sempre. Ele me ouve, e pergunta, e eu respondo tirando suas dúvidas, pois a desinformação é muita.
Lembro quando o Kahlil, aos oito anos, encontrou um preservativo em minha bolsa e disse “Mãe, eu não tenho AIDS!”, eu perguntei “Filho, por que você está dizendo isso?”, ele “Porque camisinha cura AIDS!”, aí, eu parei e fui explicar para ele, dentro do entendimento de uma criança de oito anos.
Como disse, é o que posso fazer por ele, conversar, porque viver, é ele que terá que viver; ninguém vive a vida de ninguém. Cada um tem que passar por sua própria experiência e achar seu próprio caminho. Às vezes damos umas dicas, mas quem escolhe, mesmo, é quem vai caminhar.
O Cris escolheu um caminho difícil para caminhar, e não conseguiu retornar. Peço a Deus que cuidem bem dele, o ajudem, amparem, auxiliem, guiem, orientem...Sempre... Que assim seja...

sábado, 6 de novembro de 2010

"Ela é adulta!"


Estava eu recebendo no consultório, minha paciente Maria Eduarda, de 6 anos, e ela mostrava-me sua mochila em forma de boneca com cheirinho de morango; na mochila, a pequena paciente trazia sua escova de dentes e seu creme dental para me mostrar.
A boneca-mochila de Maria Eduarda realmente era muito bonita, e eu falei:
_ Que linda, Eduarda! Você ganhou de sua mãe?
_ Não. Eu ganhei da minha amiga. Ela que fez esta boneca.
E a pobre Odontopediatra, esquecendo que uma menina como a Eduarda já tem um vasto vocabulário, perguntou:
_ A sua amiga, Eduarda... ela é grande como eu?
E Eduarda, me olhando com seus olhinhos puros, do alto de seus 6 anos bem vividos e bem falados, respondeu, demonstrando saber bem o que eu queria dizer:
_ Ela é adulta.